“Fui protegido por um ônibus inteiro de mulheres ucranianas”. História de Artsiom sobre sua segunda fuga

Milhares de belarussos, forçados a fugir das repressões do regime de Lukashenka e encontrar um novo lar na Ucrânia, tiveram que se tornar refugiados pela segunda vez por causa da guerra. Muitos deles encontraram abrigo na Polônia. Juntamente com a iniciativa August2020, contamos as histórias dessas pessoas duplamente refugiadas.

Artsiom (nome alterado) admite que tem medo de contar em detalhes do motivo da sua saída de Belarus. Ele apenas menciona que esteve envolvido no ativismo queer.

– Nos últimos meses, não me senti seguro em Minsk, meu estado emocional estava muito ruim. Depois que meus amigos foram detidos e o apartamento onde eu morava foi revistado, decidi me mudar para Kyiv. Claro, senti falta e saudade de Minsk, mas foi incomparável com o estresse que experimentei nos últimos meses em Belarus, quando sentimentos de insegurança pessoal se misturavam a problemas de relacionamento pessoal. Comparada com aqueles meses antes de partir, toda a vida na Ucrânia era serena e fácil. Às vezes até brincava: “Obrigado aos policiais por pararem meu sofrimento e me obrigarem a me mudar”.

– Não foi muito difícil se adaptar na Ucrânia. Graças aos meus colegas, encontrei um lugar para morar, tinha um círculo social, conexões com a comunidade local por meio de pessoas que vieram de Belarus antes de mim, entrei facilmente no ativismo local, não houve muito “atrito” e depressão do emigrante .

Artsiom viveu em Kyiv por seis meses. Ele lembra que estava se preparando para a guerra. Ele recebeu a notícia dos bombardeios quando estava na cidade relativamente segura de Lviv:

– Achei que a guerra começaria no dia 15 de fevereiro, então no dia 14 de fevereiro peguei as coisas que pude carregar e parti de Kyiv para Lviv. Quando um amigo me acordou às cinco da manhã do dia 24 de fevereiro e me disse para evacuar para Varsóvia o mais rápido possível, até fiquei com raiva, porque em minha mente acreditava que a guerra começou havia dois dias, quando o tiroteio em Donetsk tornou-se mais ativo. Meia hora depois, fiquei um pouco preocupado, comprei passagens e fiquei nos chats o dia todo, procurando informações para meus amigos sobre como deixar a Ucrânia.

– Em Lviv, eu não temia muito pela minha vida e sentia que precisava ajudar os outros em vez de fugir sozinho. No final do dia minhas mãos tremiam de tensão, no dia seguinte comeceia organizar minha própria partida. A guerra não foi repentina para mim, mas acabou sendo um grande estresse.

Artsiom diz que chegar a Varsóvia não foi tão fácil quanto ele pensava:

– Eu me sentia burro por não conseguir sair de Lviv. Em 25 de fevereiro, meus amigos botaram pressão e me convenceram a pegar carona até a fronteira. Depois passamos a noite inteira caminhando até o posto de controle. Eu caminhei na companhia de uma família nigeriana, tentando de alguma forma animá-los, pois estavam muito assustados, completamente desorientados e não entendiam o que estava acontecendo.

– Quando cheguei à fronteira por volta das 7 da manhã, não deixavam ninguém passar: uma vez por hora partia um ônibus com mulheres e crianças pequenas. Fiquei no posto de controle até as 16h, quando já havia passado dois dias na rua, com muito frio e cansaço. Resolvi voltar para Lviv para tentar cruzar a fronteira no dia 27 de ônibus.

– O ônibus estava lotado, mas pelo menos não estava frio. Fisicamente me sentia mal, porque antes disso andava dois dias com bolsas de 30 quilos, não dormia e não comia. Eu estava passando mal o tempo todo. Dormi no chão porque estávamos pegando mulheres no caminho e desisti do meu lugar. Deram-me um saco para náuseas, tentaram alimentar-me. Fiquei um pouco tenso quando levaram meus passaportes para verificação, porque sou de Belarus e tudo mais … Mas fui protegido por um ônibus inteiro de mulheres ucranianas: “É um menino! Por que vocês estão olhando para esse passaporte!” Também tinha um cachorro no ônibus que eu abracei o tempo todo.

Em Varsóvia, nos primeiros três meses, Artsiom foi hospedado por várias pessoas:

– Morei em 8 apartamentos diferentes. Amigos me ajudaram a encontrar trabalho e apoio financeiro. Envolvi-me no voluntariado, senti-me importante e necessário, pude canalizar toda a minha ansiedade para as ações e na primavera senti-me confortável.

– No verão ficou pior, porque acabou o voluntariado e tive tempo para pensar. Comecei a perceber que morar em Varsóvia era muito mais difícil do que em Kyiv: língua diferente, o aluguel era três vezes mais caro. Eu constantemente me sentia um emigrante estúpido que não sabia explicar nada. Amigos me ajudaram a encontrar um psicoterapeuta.

– Aos poucos, melhorei minhas condições de vida: agora estou em um estágio de conforto doméstico mais agradável do que antes. Resolvi minha situação legal: solicitei autorização de residência, fiz seguro, recebi Pesel (código digital de identificação de pessoa física).

Artsiom admite que agora está tentando não ler as notícias para não se machucar ainda mais:

– Eu me sinto entorpecido com os horrores que estão acontecendo em Belarus. Não sinto mais emoções ao ler notícias: não fico triste nem choro, apenas sinto uma leve e constante dor.

– Não acho que voltarei a Belarus tão cedo. Claro que gostaria, mas não faço planos, para não esperar em vão.

Reportagem fotográfica: Tatsiana Svirepa

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